quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Manhã de Inverno

Estava muito frio, quando saí hoje de casa.
Apesar de viver num País de temperaturas amenas, o termómetro do carro marcava apenas 1º. Uma película de gelo, que mais parecia neve, cobria docemente a lezíria.
E à memoria veio, subitamente, este lindíssimo poema de Machado de Assis.

     
  Manhã de Inverno

Coroada de névoas, surge a aurora

Por detrás das montanhas do oriente;

Vê-se um resto de sono e de preguiça,

Nos olhos da fantástica indolente.


Névoas enchem de um lado e de outro os morros

Tristes como sinceras sepulturas,

Essas que têm por simples ornamento

Puras capelas, lágrimas mais puras.


A custo rompe o sol; a custo invade

O espaço todo branco; e a luz brilhante

Fulge através do espesso nevoeiro,

Como através de um véu fulge o diamante.


Vento frio, mas brando, agita as folhas

Das laranjeiras húmidas da chuva;

Erma de flores, curva a planta o colo,

E o chão recebe o pranto da viúva.


Gelo não cobre o dorso das montanhas,

Nem enche as folhas trémulas a neve;

Galhardo moço, o inverno deste clima

Na verde palma a sua história escreve.


Pouco a pouco, dissipam-se no espaço

As névoas da manhã; já pelos montes

Vão subindo as que encheram todo o vale;

Já se vão descobrindo os horizontes.


Sobe de todo o pano; eis aparece

Da natureza o esplêndido cenário;

Tudo ali preparou co’os sábios olhos

A suprema ciência do empresário.


Canta a orquestra dos pássaros no mato

A sinfonia alpestre, — a voz serena

Acordo os ecos tímidos do vale;

E a divina comédia invade a cena.



Machado de Assis, in "Falenas"

Imagem retirada do site: www.reddit.com